sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Triste realidade a nossa...



É de conhecimento geral que existem idosos que são abandonados pelos familiares no serviço de urgência e que esse fenómeno aumenta com o aproximar das férias ou épocas festivas, e o meu pequeno hospital não passa à margem desse fenómeno.

Tenho um senhor internado no meu serviço com alta clínica há quase uma semana mas que a família não o vem buscar, ficando triste e abandonado numa cama de hospital. Nós, bem o tentamos animar, mimamo-lo, fazemos o máximo de companhia possível mas, este senhor não está inconsciente nem alheio à sua realidade…sabe que os filhos não o bem buscar e sofre…os outros doentes, os que estão inconscientes por causa das suas incapacidades físicas e mentais resultantes da doença que os conduziu à urgência, estão livres da consciência deste desamparo, não é?

É um senhor relativamente novo, tem 67 anos mas que foi traído pelo próprio corpo… encontra-se dependente dos outros para as mais básicas necessidades humanas, nomeadamente para ser vestido, alimentado e hidratado, massajado e posicionado e que embora não se consiga expressar verbalmente nos segue, nos nossos actos, com os seus bonitos olhos azuis…

Olhos lindos que por vezes nos fitam marejados de lágrimas, como que a dizer mais um dia e nada…

E o que dizer nessas situações? Fico parca nas palavras, fico com um nó na garganta que não se dissolve nunca… e as horas lá passam, os turnos sucedem-se, os dias passam… já lá vão 7 dias…se a situação não for resolvida até 2.ª feira este senhor vai acabar por ser enviado para um lar de terceira idade, onde espero que encontre o amor e o carinho que tanto merece e precisa….

3 comentários:

Anónimo disse...

Estas coisas partem-me o coração. Dói-me mesmo muito estes dramas humanos. É inacreditável a crueldade de alguns filhos para com os pais quando estes mais precisam deles. Os lares podem ser uma boa opção mas por outro também levantam muitas dúvidas. Pode ser a maneira mais fácil para os filhos se livrarem e desresponsabilizarem dos pais.
Força também para ti amiga pois imagino que estas situações não são nada fáceis de lidar.

Xinhus!

Nuno Silva disse...

Pois ... de facto estas situações são muito complicadas e do ponto de vista do enfermeiro fica difícil agir seja de que forma fôr.

A sociedade actual produz familias assim... esquecem-se do que os pais já sofreram e abdicaram por eles e recusam abdicar seja do que fôr para retribuir nos momentos em que eles necessitam.

Devemos, no entanto, não ser ingénuos! Alguns olhos "lindos" e doces enganam-nos como sempre enganaram as suas familias e comunidades. Alguns destes indivíduos que são agora abandonados, foram noutra altura pessoas maléficas para as suas famílias escondendo e manipulando essas situações perante as suas comunidades... que muitas das vezes nem desconfiam dos dramas familiares que se passam dentro de portas.

Alguns deles nessa altura já se esqueceram que os filhos são para amar, respeitar e educar... e não: maltratar, violentar e abusar, como muitos fazem.

Alguns estão a pagar o preço do mal que fizeram aos outros e nós, os enfermeiros devemos ser inteligentes para não cair em juízos de valor quer para uma ou outra situação. Outros estão concerteza a receber da ingratidão e desprezo com que esta sociedade mal formada trata os mais idosos.

Bom trabalho... e Boas festas!

* Ju * disse...

pois, como compreendo o que dizes...
estou a estagiar num serviço de medicina, e realidades como essa assolam 90% dos doentes de lá...
cabe a nós tapar um bocadinho dessa lacuna...
por isso é tão bom e gratificante ser enfermeiro... tomara que muitos percebessem só um bocadinho do que isso é...

beiju enorme,e bom trabalho***